A ampulheta instável do Transtorno Bipolar ou A farsa da Mulher Maravilha

Alessandra F não tem avião invisível, não tem força ampliada, não tem agilidade e reflexos sobre humanos, mas pensa que tem. Ela tem vontade de fazer tudo, agitada, ela se sente o centro das atenções, expansiva e desinibida, torna-se a cereja do bolo. Com uma sexualidade aflorada, acha que é a mulher mais poderosa do mundo. Não se veste com um bustiê vermelho e tiara dourada, mas usa sombra azul bem destacada e brincos exuberantes. Neste estado, vivendo em um ritmo acelerado, quase sem dormir, ela assume comportamentos extravagantes, tendendo a gastos excessivos, inclusive investindo em empreendimentos diversos, acreditando que renderão lucros vertiginosos, e, até mesmo, envolve-se em experiências perigosas, sem pensar em suas consequências. Esquece que, diferente da Mulher Maravilha, não tem o poder da imortalidade.

Acontece que a super-heroína grega perdura por pouco tempo e Alessandra F volta a ter depressão com força total. Sua capa protetora volta a ser seu edredom, se enrola em seu laço mágico que a obriga dizer a verdade e assume que não tomava as medicações prescritas por seu médico psiquiatra. Desmotivada, sem energia, sem prazer, com cabelo desgrenhado e sobrancelha por fazer, não tem vontade de viver. Seu estado de humor varia como uma virada drástica de uma ampulheta, mas, diferente das tradicionais, com dois compartimentos simétricos, interligados por um vértice, o esvaziamento da areia chamada mania dura muito menos tempo. Já a areia da depressão cai tempo o bastante a ponto de promover uma vontade absurda de sumir ou uma imensa tristeza.

Mudanças de humor são normais em todos nós. A diferença no Transtorno Bipolar (TB) é que a intensidade e a velocidade com que essas mudanças ocorrem são maiores.

Dentre os fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento deste transtorno:

  • o histórico familiar
  • estresse intenso
  • uso de drogas
  • experiências traumáticas
  • idade inferior a 30 anos

O TB foi considerado a sexta maior causa de incapacitação no mundo e o suicídio é a causa mais frequente de morte, principalmente entre os jovens: Estima-se que até 50% dos portadores tentem o suicídio ao menos uma vez em suas vidas e 15% efetivamente o cometem. A associação com a dependência de álcool e drogas não apenas é comum (41% de dependência de álcool e 12% de dependência de alguma droga ilícita), como agrava o curso e o prognóstico do TB, piora a adesão ao tratamento e aumenta em duas vezes o risco de suicídio.

O tratamento adequado do TB reduz a incapacitação e a mortalidade dos portadores. Em linhas gerais, inclui necessariamente a prescrição de um ou mais estabilizadores do humor em associação (carbonato de lítio, ácido valpróico/valproato de sódio/divalproato de sódio, lamotrigina, carbamazepina, oxcarbazepina). A associação de antidepressivos (de diferentes classes) e de antipsicóticos (em especial os de segunda geração como risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprasidona, aripiprazol) pode ser necessária para o controle de episódios de depressão e de mania. Terapia cognitiva comportamental pode ser uma estratégia importante no tratamento tanto do paciente como tratamento psicológico familiar.

Apesar dos consistentes avanços na farmacoterapia dos transtornos de humor na última década, os altos índices de transtornos de humor resistentes ao tratamento ainda são um aspecto desafiador. Estima-se que apenas cerca de 50% dos pacientes tratados com antidepressivo associado a um estabilizador de humor apresentam remissão dos sintomas. Assim, a busca por tratamentos mais eficazes para os transtornos de humor torna-se um aspecto chave para diminuir sua morbidade. Neste âmbito destaca-se a Estimulação Magnética Transcraniana, que é uma técnica relativamente nova.

A estimulação magnética transcraniana atua no cérebro em áreas como o córtex pré-frontal, por exemplo, que normalmente é afetada no Transtorno Bipolar, tem a capacidade de equilibrar a atividade cerebral.

Veja algumas vantagens do uso da estimulação magnética:

  • técnica não-invasiva
  • indolor
  • feita em consultório, sem necessidade de anestesia
  • praticamente sem efeitos colaterais
  • praticamente sem contraindicações

Vantagens do tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar com a estimulação magnética transcraniana:

Estruturas cerebrais envolvidas na regulação do humor e na cognição, como o córtex pre-frontal (CPF), giro do cíngulo anterior e amígdala, são afetadas em pessoas com Transtorno Bipolar. Sabe-se que a partir de vários estudos de neuroimagem, como a ressonância magnética funcional, por exemplo, que há uma redução da atividade cerebral no córtex pré-frontal (parte do cérebro localizado na região mais anterior do cérebro). E o que a EMTr faz? Ela aumenta ou reduz atividade cerebral através de uma corrente elétrica breve e de grande intensidade gerada por pulsos magnéticos. Portanto, por ser uma estimulação magnética, a pessoa não tem a sensação de receber choques, sendo considerado um método não invasivo, indolor e seguro, que  possibilita aumentar a atividade cerebral nessa região afetada quando utilizada em alta frequência, diminuindo os sintomas depressivos como falta de motivação, falta de energia, tristeza. Já na fase de mania, sabe-se que há um aumento da atividade no CPF e, portanto, a EMTr é aplicada em baixa frequência, promovendo redução da atividade no córtex pré-frontal. Diferente das medicações, a EMTr apresenta um baixo risco de induzir virada maníaca e, considerando os fármacos mais caros usados na depressão refratária ou os antipsicóticos atípicos, a EMTr também seria menos custosa a longo prazo.

Referências:

  • Muller VT, Santos PP, Carnaval T, Gomes MM, Fregni F. O que é estimulação magnética transcraniana? Rev Bras Neurol. 49(1):20-31, 2013.
  • Machado-Vieira R, Soares J. Transtornos de humor refratários ao tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.29 suppl.2
  • Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition.
  • Berlim MT, Eynde VD, Perdomo T, Daskalakis Z. Response, remission and drop-out rates following high-frequency repetitive transcranial magnetic stimulation (rTMS) for treating major depression: a systematic review and meta-analysis of randomized, double-blind and sham-controlled trials. Psychol Med. 2014 Jan;44(2):225-39.
  • Richieri R, Adida M, Dumas R, Fakra E, Azorin JM, Pringuey D, Lancon C. [Affective disorders and repetitive transcranial magnetic stimulation: Therapeutic innovations]. Encephale. 2010 Dec;36 Suppl 6: S:197-201.
  • Loo C, Katalinic N, Mitchell PB, Greenberg B. Physical treatments for bipolar disorder: a review of electroconvulsive therapy, stereotactic surgery and other brain stimulation techniques. J Affect Disord. 2011 Jul;132(1-2):1-13.

Por: Dra. Vanessa Teixeira Muller