O homem sempre se relacionou com substâncias químicas que poderiam alterar o estado mental ao longo de sua história e aprendeu a usar os efeitos das plantas com diferentes objetivos. Talvez a grande dificuldade tenha sido determinar o momento em que substâncias químicas passaram a ter ações perigosas e nocivas para própria pessoa e para a sociedade ao longo da utilização com o uso abusivo, ou seja, a dependência química.
A relação histórica entre o ser humano e o uso de substâncias químicas
Diferentemente do que a maioria das pessoas imagina, o uso de drogas não é um comportamento moderno. Em realidade, a relação do ser humano com substâncias químicas é antiga. Por exemplo, o consumo de plantas, como a papoula, a folha de coca, a folha de tabaco, a folha de Cannabis e os cogumelos, era hábito constante em diversas culturas da antiguidade e, algumas, ainda mantém alguns hábitos.
Desde a Pré-história, os efeitos psicoativos das plantas são usados para finalidades religiosas, místicas, sociais, econômicas, medicinais, psicológicas, militares e, em uso recreativo na busca pelo prazer. Todavia, tudo depende da dosagem e da orientação do uso. Por exemplo, as plantas psicodélicas, como os “cogumelos mágicos” ou “cogumelos sagrados”, existem há muito tempo e têm sido consumidas pelas diversas culturas ao longo da existência humana. Estudos mostram que o princípio ativo presente nos cogumelos é a psilocibina, um composto alucinógeno que altera os níveis de serotonina no cérebro pode causar náuseas, vômitos, fraqueza muscular e alucinações. Assim como se a psilocibina for utilizada em micro doses pode ser um importante aliado para tratamento de transtornos, como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, entre outros.
Uso de substâncias que pudessem causar dependência química na antiguidade
Textos egípcios escritos há cerca de 3.500 anos relatam o uso de substâncias para tratamento de problemas de saúde: alho para hemorroidas, aneto para flatulência, mel para problemas respiratórios, ópio para acalmar os bebês. Atualmente se conhece os derivados do ópio como analgésicos potentes. Estudos indicam que o olíbano e a mirra eram usados para diminuir a dor, os sintomas de depressão e a ansiedade.
Os egípcios conheciam e usavam o processo de fermentação das frutas pelo menos desde 3000 AEC. O ópio, extraído dos frutos da papoula, o vinho e a cerveja, especialmente a cerveja vermelha, eram as substâncias mais consumidas. Também foram encontrados jarros contendo resíduos de ópio nas tumbas egípcias, o que não surpreende, já que a papoula foi amplamente cultivada no Egito.
Na considerada América Antiga, os maias representavam uma civilização muito avançada, tinham e usavam uma grande quantidade de substâncias psicotrópicas para fins religiosos de adoração por toda a América do Sul e a América Central. A ayahuasca foi desenvolvida na América Latina e era uma bebida preparada a partir das folhas de plantas sempre para fins religiosos.
A descrição histórica do uso de drogas relata que, na Grécia e Roma antigas, o consumo de bebidas alcóolicas estava primeiramente associado a rituais religiosos que permitiam um estado de consciência alterado, mas acabaram por se difundir nas práticas sociais, como festas, bodas, vitórias, datas específicas, jogos e todo tipo de manifestação de confraternização.
A partir das conquistas políticas e territoriais desses povos, o uso de álcool também foi difundido nas outras civilizações dominadas. Os romanos tomavam uma espécie de vinho à base de ópio e uma bebida de folhas de papoula para combater a insônia, e podiam comprar ópio em tabletes em alguns mercados perto do Fórum Romano.
Na Idade Média, a Igreja Cristã estabelece normas consideradas próprias aos cristãos. Assim, os clérigos entendem que experimentar os prazeres do corpo induzidos pelo uso das drogas não é um comportamento cristão e se estabelece a “primeira lei antidrogas”. Aqueles que as usassem eram condenados por práticas de bruxaria e mortos pela Inquisição para não confrontar o poder dominante da época. O uso de substâncias psicoativas, com exceção do álcool, mais usado na forma destilada, era restrito e combatido.
Com o início das grandes navegações, estabelecidas a partir do século XV e culminado com a Revolução Industrial no século XVIII, as potências europeias, principalmente Espanha e Portugal, começaram a explorar os mares e a descobrir novos mundos e outras substâncias químicas. A maconha, a cocaína e o tabaco foram as primeiras plantas trazidas nos navios para a Europa e a descoberta do uso da droga fumada foi o comportamento adotado. Além de chá e diversas especiarias, a Companhia das Índias Orientais, fundada pelos ingleses em 1600, trouxe para a Europa uma substância que se tornaria a principal moeda de comercialização especialmente com a China: o ópio.
Na segunda metade do século XVIII, percebeu-se que o mundo tinha um grave problema consequente do uso descontrolado das drogas: os hospitais estavam cheios de usuários de álcool e ópio, onerando os cofres governamentais. As drogas alimentavam a economia e a inspiração de vários artistas, mas a liberalidade do uso levava a verdadeiros problemas sociais.
No início século XIX, a medicina começa a usar as drogas. Em 1803, pela primeira vez, foi isolado o princípio ativo de uma planta narcótica: a morfina foi retirada da papoula e seu uso para alívio da dor teve resultado quase instantâneo.
Assim, as drogas produzidas em laboratório começaram a chegar ao mercado, mas o uso ainda era limitado ao conhecimento da sua eficácia. Muitas pessoas tomavam doses inadequadas e outras acabavam se viciando.
A indústria do remédio patenteado descobriu a cocaína, que começou a ser usada como anestésico em cirurgias de garganta e olhos, para depressão e para aumento da produtividade no trabalho.
A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, ocorridas no século XX, foram responsáveis pelo uso de anfetaminas, na tentativa de aumentar o rendimento dos soldados, e da morfina, para aliviar a dor dos feridos. Muitos deles, mesmo depois das guerras, habituaram-se ao uso de drogas, pela dependência e também pela busca do prazer.
Nas décadas de 1950 e 1960, o fortalecimento do capitalismo no mundo ocidental exigia, dentro desse modelo econômico, mão de obra de trabalhadores rápidos, ativos e sóbrios; portanto, que não usassem drogas que impedissem esse rendimento. As comunidades de vida alternativas pregavam a cooperação entre seus membros e usavam as expressões que marcaram a chamada juventude transviada: sexo, drogas e rock ‘n’ roll. Faziam uso acentuado principalmente de duas substâncias alucinógenas: maconha e a dietilamida do ácido lisérgico ( LSD).
Os anos 1980 são marcados pela intensificação do uso de drogas psicoativas, especialmente as sintéticas, como anfetaminas e ecstasy (MDMA). É quando se estabelecem os cartéis internacionais de drogas com ramificação pelo mundo todo, de maneira que o tráfico de drogas passa a exercer um forte papel na economia mundial.
Já na década de 1990, observa-se o grande consumo de cocaína e seus derivados, principalmente o crack, numa visão individualista de prazer fugaz pelas experiências momentâneas da vida.
A criminalização das drogas no século XX
No Brasil, é a partir da Consolidação das Leis Penais de 1932 que se inicia a criminalização de condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo das drogas tornadas ilícitas, com a substituição da expressão “substâncias venenosas” do artigo 159 do Código Penal de 1890 por “substâncias entorpecentes”, expansão da quantidade de condutas proibidas e introdução da cominação de pena privativa de liberdade, fixada para quem fornecesse aquelas substâncias desde a década de 30 até os dias atuais.