Neste último final de semana, assisti ao documentário “I AM” sobre o dia a dia da estrela canadense Celine Dion, que luta contra a síndrome da pessoa rígida (Stiff-Person Syndrome). Atualmente com 56 anos, Celine exibe as feições de uma senhora cansada, mas com um histórico desde a adolescência repleto de prêmios por sua arte de cantar, e que se tornou mundialmente conhecida com a trilha sonora de Titanic. Em um barco ou na rua, quem nunca cantarolou as músicas interpretadas por Celine, não é mesmo?
No documentário, é perceptível o grande sofrimento e o sentimento de culpa da cantora por não mais realizar shows ou por não ter conseguido cumprir alguns compromissos no passado. Sua personalidade anancástica, perfeccionista, controladora e de alta culpabilidade, em um solo permeado por incertezas, dor e limitações causadas pela doença autoimune, são férteis para o surgimento de depressão e ansiedade. Nitidamente, a própria cantora destaca seu dom e propósito de vida: tocar as multidões com sua voz. Com muita dificuldade, ao final do documentário, ela grava uma nova música. Com minha visão médica, fiquei pensando: será que ela tem noção da importância de representar as pessoas que padecem de doenças raras? Será que as doenças são raras ou os diagnósticos são raros? Um exemplo disso é o número de publicações sobre a síndrome da pessoa rígida desde que Celine expôs seu diagnóstico para o mundo. Em 40 anos, apenas 837 artigos foram publicados na base PUBMED – um dos principais bancos de dados médicos sobre o tema – e, em menos de 18 meses, foram publicados 87 artigos.
Quero deixar claro que o diagnóstico da pessoa rígida não é fácil porque seus sintomas se confundem com outros transtornos, como epilepsia, transtorno de ansiedade e Parkinson, por exemplo. Estas últimas são doenças muito mais comuns e que também podem levar à rigidez e espasmos. O paciente leva anos sendo pesquisado com estudos de ressonância em todo o neuroeixo, eletroencefalograma, eletroneuromiografia e exames laboratoriais de sangue e de líquor. Como em qualquer outra doença, a clínica sempre é soberana, e os sintomas mais comuns na síndrome da pessoa rígida são intensa rigidez do tronco e da parte superior das coxas, levando muitas vezes a pessoa a ficar arqueada, na posição de tartaruga, associados a espasmos intermitentes que podem levar à fratura óssea. Em alguns casos, como o de Celine, podem ocorrer perda de voz e espasmos no pescoço, levando a uma sensação de falta de ar.
No que tange à fisiopatogenia, assim como em outras doenças raras, poucas certezas temos sobre o porquê a doença se manifesta. Esse pouco conhecimento é decorrente do baixo investimento por empresas, ou pela dificuldade em agrupar pessoas com o transtorno, dificultando o surgimento de um real esclarecimento sobre a síndrome. Do pouco que sabemos, parece se tratar de uma doença autoimune, devido a causas genéticas e ambientais, que acomete mais mulheres entre 40 e 60 anos, em que o próprio sistema de defesa ataca uma enzima (GAD) muito importante para a produção do principal neurotransmissor inibitório do cérebro, o GABA. Dessa maneira, com a redução da inibição, o cérebro fica muito estimulado, resultando no aumento do tônus muscular e espasmos. O tratamento se baseia no uso de medicamentos relaxantes, que reduzem a excitabilidade do cérebro, como os gabaérgicos (Diazepam, Clonazepam, Baclofeno). Dentre os desafios do uso dessas medicações estão a dependência e a tolerância. Celine Dion, antes de um show, chegava a tomar 90mg de Diazepam. Outro foco de tratamento seria o uso de terapias que atuam na imunidade, como a infusão de imunoglobulina e plasmaférese. O desafio dessas terapias seria a redução da própria imunidade, tornando a pessoa mais suscetível a infecções devido à imunodeficiência.
Celine pode ter feito parte de nossas vidas por suas músicas em momentos românticos, mas, para aqueles que nunca foram diagnosticados com a síndrome da pessoa rígida no passado ou para aqueles que a desenvolverão, ela representa esperança, não apenas do “I AM” mas para o “We can, we will”!
#celinedion #Iam #documentario #pessoa_rígida #síndrome #autoimune #personalidadeanancastica #perfeccionista #culpabilidade #gaba #sistemagaba #diazepam #clonazepam #baclofeno #parkinson #ansiedade #doençasraras #neurologia #saudemental #psiquiatria