“Caótica, intensa, fora da realidade de vida, tímida e ao mesmo tempo ousada”, essa foi a forma que Clarice já se definiu, em entrevista. Já Amy, aos 27 anos, após inúmeras internações por intoxicação, tendência à automutilação, depressão, anorexia e bulimia, partiu.
É inegável o talento dessas duas mulheres e o sucesso de ambas se deve muito em parte, provavelmente, de suas capacidades de transcrever suas próprias emoções ou dos outros, de forma distorcida ou não, mas intensa em letras. Provavelmente as duas apresentavam transtorno de personalidade borderline (TPB) e compartilhavam algumas características típicas como hipersensibilidade, sentimentos crônicos de vazio, flutuações de humor, impulsividade e tendência à autodestruição.
Os critérios diagnósticos segundo o DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª Ed. 2013) compreendem um padrão de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada que surge no começo da vida adulta e está presente em vários contextos. Estima-se que a prevalência da TPB1 seja de 1 a 6% da população adulta e em 1% dos adolescentes. É uma doença mental grave, ¾ dos indivíduos tentam suicido e pelo menos 10% consumam o ato.
Vários fatores podem estar relacionados a TPB: instabilidade familiar, negligência dos pais, educação rígida e autoritária dos pais e abuso sexual são os mais relacionados, embora o fator genético seja o mais fácil de documentar. Estima-se que filhos de pais com TPB apresentam 5 vezes mais chance de apresentar esse mesmo distúrbio. O TPB é mais comum em mulheres em uma proporção de 3 para 1 em relação aos homens.
Indivíduos que apresentam esse transtorno sofrem muito e estão sempre em uma gangorra emocional. Variam suas emoções de 0.1 a 1000000 em segundos, com uma desregulação afetiva excessiva e sentimentos intensos, podem amar alguém às 10h da manhã e simplesmente odiar essa mesma pessoa às 10h01. Apresentam geralmente uma dependência afetiva grande, angústia de abandono e mudança de sua própria personalidade, principalmente quando estão em relacionamentos. Geralmente respondem muito mal à frustração ou com a perda. Em contrapartida, nem sempre sabe lidar com o sucesso ou ganho. É comum que eles abandonem ou destruam seus alvos e objetivos justo quando a perspectiva de consegui-los é real e próxima.
Em muitos textos científicos ou até mesmo em blogs a identificação de pessoas com transtorno de personalidade Borderline como vulcões me parece a mais razoável, pois elas podem explodir a qualquer instante, levando-as a protagonizar sucessivas ameaças (ou tentativas) de suicídio e automutilação. O magma provocado por essas erupções dificultam o convívio próximo com elas e o pior destrói sua própria autoimagem, seu corpo; destrói sua paz, como podemos evidenciar pela própria Amy na música Beat the point to death cantou: “estou doente de ter de encontrar alguma paz”.
O diagnóstico de TPB é baseado em uma avaliação clínica detalhada, geralmente demora a ser feito e por muitas vezes pode ser confundido com distúrbio bipolar. Tão logo o diagnóstico é feito é fundamental o início de um tratamento psicológico, tanto para o paciente quanto para toda a família, pois na grande maioria das vezes a família inteira é envolvida neste sofrimento, neste magma. Infelizmente o tratamento farmacológico não é efetivo para os sintomas de TPB. Entretanto, eles podem agir em sintomas isolados. Por exemplo, podem ser usados antidepressivos para comorbidades como a depressão, ou estabilizadores de humor para problemas interpessoais e de raiva, além de antipsicóticos para a impulsividade.
Uma estratégia pouco comentada no tratamento de TPB é a Estimulação Magnética Transcraniana. Uma técnica realizada em consultório, não invasiva e indolor, que modula a atividade cerebral e induz plasticidade, ou seja, molda o cérebro fortalecendo ou enfraquecendo as forças de comunicação entre os neurônios (sinapses). Felizmente já tive vários pacientes que responderam a essa terapia, chegaram como furacões e foram aos poucos se tornando brisas, retomando as suas atividades acadêmicas, laborais, melhorando suas relações interpessoais e consigo mesmo.
Se perceberes que possas ter TPB, ao invés de dizeres NO, NO, NO, NO, como Amy, digas sim para reabilitação!!!
“Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar.” – Clarice Lispector
Critérios do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-V, na sigla inglesa) para que um paciente seja diagnosticado com Transtorno de Personalidade Borderline:
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Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginário
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Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização
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Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo
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Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar)
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Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante
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Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade do humor (disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias)
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Sentimentos crônicos de vazio
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Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes)
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Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos.
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Bibliografia
Schoroeder K. Fisher HL, Schafer L. Psychotic symptoms in patients with borderline personality disorder.
Curr Opin Psychiatry. 2013 Jan;26(1):113-9.
Black DW, Blum N, Pfohl B, Hale N. Suicidal behavior in borderline personality disorder: prevalence, risk factors, prediction and prevention. Pers Disord. 2004 Jun;18(3):226-39.
DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª Ed. 2013).