Seis, 5, 4, 3, 2, 1! A cada 6 segundos uma pessoa no mundo sofre acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que quase 6 milhões de pessoas morrem anualmente. Felizmente o Sr. R, com seus 62 anos, não nos deixou e com uma fala disártrica (dificuldade em articular palavras) comentou: “Metade do meu corpo morreu e minha dignidade em sua totalidade, há muito tempo, eu que um dia fora o patriarca da família agora não sirvo para nada”. Sr. R, hipertenso, dislipidêmico (colesterol alto), tabagista e sedentário, com esses vários fatores de risco, sofrera um AVC há oito meses e passava por um estado de depressão e autodepreciação. Fez acompanhamento cardiológico realizando vários exames, como eletrocardiograma, ecocardiograma, doppler de carótidas e exames laboratoriais, no intuito de identificar a causa da isquemia no cérebro. Estabilizou-se clinicamente, parou de fumar e, embora tenha começado o tratamento fisioterápico, ainda apresentava fraqueza e muita rigidez em um lado do corpo. Começou procedimentos fonoaudiológicos e relatou ao neurologista que apresentara uma melhora significativa na fala: “As pessoas já me entendem”, disse-lhe, com um primeiro e discreto sorriso no rosto. Após uma anamnese completa e um exame físico rigoroso, o neurologista, com um tom otimista, reportou ao Sr. R: “Ainda existe muita coisa a ser feita, não perca a esperança. Hoje sabemos que embora no período até 3 meses pós-AVC o paciente apresente melhores resultados em sua reabilitação, mesmo depois deste o cérebro lesionado apresenta grande adaptabilidade e quando estimulado continua a ter a capacidade de se transformar, induzir plasticidade na tentativa de se regenerar”.
Milhares de pessoas certamente podem se identificar com a história do Sr. R. A verdade é que os humanos só se preparam emocionalmente para serem dependentes enquanto bebês. Segurar uma colher, conversar, levantar-se e poder escolher o caminho a ser percorrido que outrora pudessem ter feito de forma automática, essas e/ou outras funções são perdidas em pacientes que sofrem um AVC. A reabilitação dessas habilidades parcialmente ou completamente pode promover um grande impacto na qualidade de vida do paciente e deve ser incessantemente almejada. Para isso é fundamental que o paciente seja assistido por uma equipe multidisciplinar formado por médico, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, nutricionista e fonoaudiólogo, que estimularão mecanismos de neuroplasticidade, aliados ou não a aparelhos de alta tecnologia.
COMO REDUZIR AS CHANCES DE TER UM ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL?
De acordo com a Stroke Association UK:
Pare de fumar
Beba menos bebidas alcoólicas
Perca peso
Faça exercício
Coma alimentos saudáveis
Faça ckeck-ups regulares para afastar/diagnosticar doenças de base como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia (colesterol alto), arritmias cardíacas, cardiopatias e outras doenças como apneia do sono.
Trate as doenças de base
BOTOX PARA TRATAMENTO EM PACIENTES COM SEQUELA DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
Botox é um medicamento notoriamente reconhecido pelo mundo para indicação cosmética, livrando aquelas rugas de expressão indesejáveis. Entretanto, a grande maioria das pessoas não sabe que a toxina botulínica tipo A fora liberada pela Anvisa desde 1992 para fins terapêuticos. Atualmente pode ser utilizada para tratamento de enxaqueca crônica, distonia, distúrbios de movimento como espasmo facial, blefaroespasmo, bexiga hiperativa, hiperidrose (suor excessivo), estrabismo e espasticidade.
Pacientes com sequela de AVC frequentemente apresentam sequelas motoras representadas por fraqueza e espasticidade (aumento do tônus e excessiva contração muscular). Essa rigidez excessiva promove uma importante limitação do arco do movimento do paciente, prejudicando-o em suas atividades rotineiras diárias. A toxina botulínica do tipo A (Botox) promove relaxamento da musculatura alvo e bloqueia parcialmente a atividade motora involuntária permitindo aumentar a mobilidade do paciente.
ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA e E ESTIMULAÇÃO POR CORRENTE CONTÍNUA PARA TRATAMENTO EM PACIENTES COM SEQUELAS DE AVC.
Dentre as técnicas de neuromodulação não invasiva e indolor, ou seja, métodos capazes de modificar a atividade cerebral sem a necessidade de cirurgia ou de anestesia, destacam-se a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) e a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (TDCs). Ambas apresentam seus aparelhos liberados pela Anvisa e apresentam-se como técnicas seguras e com baixo potencial de indução de efeitos colaterais quando utilizadas sob protocolos bem definidos de segurança. Atualmente o nível de recomendação é B: moderada evidência para uso da EMT para reabilitação do AVC.
Quanto um paciente apresenta um AVC, a área não afetada, sã, tende a “parasitar” a área contralateral, promovendo uma inibição na área afetada, pela chamada inibição transcortical e prejudicando o processo de recuperação. E o que faz a EMT e TDCs? Essa técnicas, quando aplicadas na região não afetada, dificultam a inibição do lado não afetado, facilitando a reativação da área lesionada. Já quando aplicadas diretamente na área afetada aumentam a atividade neuronal, estimulando o processo de neuroplasticidade, de reorganização neuronal. Geralmente pode ser utilizada em pacientes com AVC crônico com sequela de fraqueza motora, dificuldade na fala, déficit cognitivo e depressão.
HÁ ALGUMA RELAÇÃO ENTRE OS DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO E AVC?
Apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma condição clínica caracterizada por episódios repetitivos de obstrução da via aérea superior durante o sono, resultando frequentemente em dessaturação de oxigênio e microdespertares. Estudos demonstram que o sistema de coagulação sanguínea se altera em pacientes com SAOS, revelando aumento da concentração de fibrinogênio no plasma e da viscosidade sanguínea, principalmente pela manhã. Estes fatores podem contribuir para elevar o risco de episódios vasculares cerebrais e cardiovasculares. Além disso, SAOs pode prejudicar na reabilitação posterior aos AVCs, pois diminui a capacidade do indivíduo afetado para adquirir novas habilidades – provocam déficit de concentração, atenção, sonolência diurna excessiva, fadiga etc.
REFERÊNCIAS
Good DC, Henkle JQ, Gelber D, Welsh J, Verhulst S. Sleep-Disordered Breathing and Poor Functional Outcome After Stroke. Stroke 1996; 27(2): 252-9
Muller VT, Santos PP, Carnaval T, Gomes MM, Fregni F. O que é estimulação magnética transcraniana? Rev Bras Neurol 2013; 49(1):20-31.
Otal B, Olma MC, Floel A, Wellwood I. Inhibitory non-invasive brain stimulation to homologous language regions as an adjunct to speech and language therapy in post-stroke aphasia: a meta-analysis. Front Hum Neurosci 2015; 28;9:236.
The American Stroke Association (Associação americana de acidentes vasculares cerebrais): http://www.strokeassociation.org
The Stroke Association (Associação de acidentes vasculares cerebrais) (Reino Unido): http://www.stroke.org.uk